quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Crises.



Adolescência e crise

O psicanalista francês Charles Melman (1996) nos lembra que a noção de crise associada a esse período de transição se encontra essencialmente em nossa cultura. Ele afirma que “não há nenhum sinal dela, enquanto crise psíquica, nos textos das culturas gregas e latinas, onde seria um simples período de introdução a vida social”. A crise psíquica - na adolescência - como um processo de transição entre um mundo (infantil) e outro (adulto), pode ser assinalada como um fenômeno característico das sociedades pós-industriais capitalistas. Nelas, não encontramos ritos de passagem responsáveis pela demarcação de uma fase e outra. A ausência de cerimônias reguladoras, verificadas em sociedades menos evoluídas do que a nossa, certamente, favorece a crise psíquica que conhecemos na fase adolescente.

A crise na adolescência, identificada, então, nos jovens de nossa sociedade, seria determinada em razão de uma sociedade industrial tecnicamente desenvolvida, já que, existem inúmeras dificuldades, as quais os jovens terão que se deparar e enfrentar para que possam ingressar no mundo dos adultos (do trabalho), deste modo, exercer seu poder de sustento básico, se for o caso, instituir família, responder por seus atos como cidadão adulto. Logo, alcançaria uma posição de certa liberdade e autonomia pela possibilidade de ter seu emprego, salário, etc, o que significa, teoricamente, não depender mais financeiramente de seus Pais.

Na verdade, porém, as sociedades modernas - ou pós-modernas - tornaram-se complexas, assim, os jovens precisam, cada vez mais cedo, qualificar-se para o mercado de trabalho que, aliás, vem se tornando cada vez mais técnico e exigente.

Levando em conta o cenário em que vivemos, o jovem de nossa sociedade, sendo sensível aos acontecimentos, percebe e sente, como ninguém, a(s) crise(s) da qual (nós adultos, também) vivemos; seja ela de valores, educacional, ética, moral, econômica, política, etc. Outrossim, dentre outras coisas, percebe e vivencia a violência cotidiana, muitas vezes banalizada, o individualismo e consumismo exacerbado, a problemática das drogas, o stress de cada dia e o desemprego.

Em última análise, num País como o nosso, em que muitas crianças ingressam demasiadamente cedo no mundo do trabalho, essa questão merece ser considerada. As referidas crianças das quais estou falando, diz respeito a uma grande parcela de crianças brasileiras que vivem em condições precárias, miséria, são elas, muitas vezes, que auxiliam na sobrevivência de suas famílias, são pequenos trabalhadores braçais. Por todas as implicações, efeitos e conseqüências que esta situação suscita, essas crianças não sofrem crise psíquica, característica da adolescência. Portanto, levando em conta as questões acima referidas, questiona-se: no mundo em que vivem essas crianças, existe adolescência? Existe fase característica que determina a passagem do mundo infantil para o mundo adulto? De qual adolescência a maioria das teorias tratam?


Arnaldo Chagas - Psicólogo, mestre em Psicologia Social e Institucional- Ufrgs. Coordenador do GERTA: Grupo de Estudo e Reflexão sobre Toxicomanias e Adolescência (Ufsm). Prof. da Ulbra/SM e Uri/RS

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário