quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Abrigados.



  

Os Abrigados

Foi no abrigo que muitos preconceitos me caíram. Uma coisa é você dizer que não é contra homossexuais e “prostitutas”, contra traficantes e “viciados”, contra assaltantes, enfim, e outra coisa é você passar praticamente todo o seu dia ao lado de pessoas que optam pelo mesmo sexo, de pessoas que são as chamadas profissionais do sexo, e com dependentes químicos, conversando, ouvindo, separando brigas, convencendo-os a não saírem para se drogar, ou para se prostituir. Muitas máscaras caem quando você participa do mundo deles, encara-o frente a frente, conhece seu passado, palpita seu futuro, imagina se não faria o mesmo se estivesse no lugar deles, mas você não é um deles, não é aceito por eles. É apenas mais um ouvinte, mais um a passar pela vida deles.
A história de vida de cada um deles é especial, mas sua origem segue um certo padrão. Primeiramente, não é segredo que todos fazem parte de famílias de baixa renda. Uma boa parte são filhos de profissionais do sexo, vulgarmente conhecidas como prostitutas. Elas, algum dia, tiveram uma relação mais afetiva com algum homem, e acabaram engravidando dele. Ao darem a luz a seus filhos, continuam com seu trabalho, ou deixando a criação da criança nas mãos de uma amiga, ou deixando com o pai, que, geralmente não consegue nem quer assumir esse encargo. Outro caso, mais comum que esse, é o de pais que se separam. A criança fica com a mãe, que rapidamente arranja um companheiro, o qual, em geral, rejeita o enteado. A mãe prefere se submeter ao seu amasiado a dar razão ao filho, pois precisa de sustento e carinho. Um terceiro caso bastante comum também é o de pais alcoólatras, e pais que abusam sexualmente de seus filhos, ou os dois. E há os filhos de pais traficantes de drogas.
Em todos os casos, a criança fica sem parâmetros, e busca satisfação nas ruas. Por viverem mais na rua do que na própria casa, usamos o termo “de rua”, ou melhor, “em situação de rua”  para distinguir a criança ou o adolescente que não mora mais com seus responsáveis, ou nem é aceito por eles. Vivem, portanto, na rua, ou em situação de rua.
Todos os adolescentes e crianças que passam pelo abrigo já cometeram pequenos delitos, chamados de Atos Infracionais e já experimentaram algum tipo de droga. Se isso ainda não aconteceu, é no abrigo, sob influência dos demais, que o interno pode chegar a experimentar algum tipo de droga. É muito difícil alguém usar algum tipo de droga dentro do abrigo, mas não é impossível, no entanto, se algum deles quer se drogar, simplesmente se evade da casa e retorna após ter se drogado. A droga mais popular de todas é o thinner. É geralmente a primeira que experimentam, e é muito barata, chegando a quatro reais a lata. Podem iniciar seu uso até com cinco anos de idade. Em seguida vem a maconha. Aqueles que têm mais desenvoltura para cometer furtos, evoluem para drogas mais caras como a cocaína e o crack. Mas não conheço nenhum caso de alguém ser usuário de injetáveis. E o cigarro comum, em si, não é hábito de todos.

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